sábado, 10 de outubro de 2009
Amália
Este post deveria ter saído mais cedo. Mais propriamente no dia que se recordava os 10 anos da morte de uma das maiores divas da música Mundial. Amália Rodrigues.
Uma personalidade ímpar. Quando novo, nunca fui grande fã,sempre optei mais pelo Fado de Coimbra ainda hoje, um fado mais associado aos estudantes, à luta pela democracia e liberdade e à expressão da vida académica e amor a uma cidade. Contrariamente ao Fado de Lisboa que sempre o achei demasiado vazio de lírica por vezes e um baluarte de uma época e de um regime que não deixa saudade.
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Nos últimos anos, com outra maturidade, tenho olhado para Amália com outros olhos. Não por causa de modas como os "Amália Hoje" que não aprecio especialmente e até acho de certa forma abusivo à memória da diva. Uma coisa é um projecto com os Humanos em que se pretendia homenagear António Variações com músicas que ficaram por ser cantadas por ele, e que com a colaboração de grandes músicas portugueses,viram a luz do dia.
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Outra coisa é querer fazer-se do Fado de Amália, algo pop, dar-lhe uma roupagem que desvirtua um pouco o seu significado, e cantando músicas que valem por si mesmas com o pretexto de dar a conhecer Amália a outros públicos...Isso é partir do principio que Amália e o seu fado não conseguem impor-se por si próprios e captar a atenção do público,algo que discordo veementemente.
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O Fado não está morto, temos ainda um enorme Carlos do Carmo e temos uma nova geração com Ana Moura,Mafalda Arnauth que dão outro rosto ao fado e ainda o expoente máximo de sucesso no exterior:Mariza.
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Grandes vozes,sem dúvida,mas nenhuma chega perto de Amália...Não por falta de qualidade.Por exemplo,pode chocar,mas na minha opinião tecnicamente Mariza tem um alcance de voz e uma técnica de colocação da mesma, superiores ao de Amália...Mas não chega perto ao arrepio que sentimos ao ouvir uma interpretação de Amália...Porquê? Porque Amália era diferente de tudo,era uma força da natureza,ali não havia aulas de canto,técnica,cuidados com a voz etc...Amália fumava maços e maços de tabaco por dia, nunca se preocupou muito com o preservar da sua voz,antes com a autenticidade e qualidade do que cantava...ali havia sentimento,a voz saía-lhe de dentro,de um lugar bem fundo do seu ser, carregava consigo o peso das palavras que cantava, era uma voz que saía do povo...Era uma experiência totalmente transcendente,só a sua presença como que conseguia iluminar uma sala até à última fila,com o seu enorme carisma.
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Amália era muito mais que a simples voz...Amália era sentimento,ela era o Fado. Entre o Fado e Amália havia uma relação umbilical, o fado corria-lhe nas veias e era a única forma dela conseguir expressar todos aqueles sentimentos negros e sombras que a perseguiam...Ela sempre pensou no Fado, como a ideia da fatalidade, transposta na obra de Luís de Camões como triste fado. A ideia de fatalismo, de nostalgia,saudade,tristeza...
O Fado confundia-se com a amálgama de sentimentos que compunham a personalidade enigmática de Amália...No meio de tanta gente, e sendo ela uma pessoa que tinha por maior medo a solidão, ela sempre se sentiu só...A ideia de que a tristeza e esse pesar caminho eram a sua maior certeza e garantia e que, através do fado, ela encontrou o companheiro perfeito para o casamento entre a sua "estranha forma de vida" e aquela sonoridade em que ela podia comunicar o que lhe pesava no seu coração..., a forma e o estilo que a compreendia...A ideia de tragédia esteve sempre associada ao seu canto, ao seu percurso, e daí nada ser mais autêntico do que a ver cantar o fado...chega a ser difícil discernir entre onde começa um e acaba outro...Amália não interpretava,Amália era o fado que cantava...Não eram separáveis...Talvez por isso, quando chegou o dia em que a voz não lhe permitiu cantar mais, foi também o dia em que Amália foi caminhando para o seu fim....
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Mas por outro lado,há que contar com fados mais alegres, transmitindo uma faceta lisboeta, um retrato de uma Lisboa e de um País que era o seu e de um fado mais convencional, como a Casa da Mariquinhas entre outros. Mas nada disso altera a génese da sua personalidade e do seu fado...Era também um reflexo seu. Dentro da tristeza,dentro da nostalgia,do fatalismo que a faziam por vezes até brincar com a ténue linha entre a vida e a morte e lhe conferiam uma especial tendência para o suicídio... não quer dizer que não houvesse espaço para alegria,excessos,risos,vozes,aplausos e companhia...Amália não era fraca pelo seu fatalismo,era a forma como sempre viveu,mas isso não invalida que adorasse uma festa, um serão passado com amigos, e abominasse a solidão...Isso não quer dizer porém,que mesmo nesses momentos, a ideia da morte,de fim, de pesar, não a acompanhassem...E apesar de sempre ter feito de tudo para nunca estar sozinha,ela sempre se sentiu só...
Um estado de alma, que não foi provocado pela sua infância,pela fama repentina com que viveu nem pelos palcos que encheu e grande admiração e respeito que granjeou por todo o Mundo...Era algo seu,sempre existiu.Amália e o Fado quase que parece que nasceram para se encontrar.
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Amália era também intuição.Mulher sem grande grau de ensino, o que na época era normal,mas não foi por isso que deixou de ser mais do que uma bonita voz, nem foi por isso que deixou de querer marcar uma posição e de querer deixar a sua marca na vida de todos e no Fado que tanto amava.
Teve a coragem de romper com o que era convencional no Fado.Deixou que os grandes escritores entrassem no Fado,não teve medo de abrir a obras de grandes escritores,e não teve medo de as homenagear com a sua voz,com a sua música. Colocou de lado a ideia do Fado como expressão meramente popular e menor, que só deveria viver de gente que havia nascido no meio...Que havia escritores para Fado e os demais cujos quais sua obra não deveria ser conspurcada ao ser cantada por essa forma de expressão menor...Valorizou mais do que nunca a mensagem, a palavra...Ela repetia vezes sem conta que não gostava de "teatrices", para ela o fado teria que ser sentido por ela,para que tocasse as pessoas com a sua autenticidade.
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Contra muitos puritanos e críticos ferozes,Amália teve talvez alguns dos seus melhores fados quando transportou para as suas canções as palavras de grandes poetas como: Alexandro O neill, Camões,David Mourão Ferreira,José Régio.
Quebrou fronteiras e deu uma expressão mais densa, mais profunda à sua obra.
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Era uma pessoa intuitiva,e isso valeu-lhe uma obra inigualável e ter conseguido escolher sempre as pessoas certas com quem colaborava e na escolha certa dos poemas que melhor encaixavam naquilo que representava o seu fado e na dor e fatalismo e, ao mesmo tempo, beleza nocturna que a sua voz transportava.
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Por ser tão intuitiva,mesmo sendo uma mulher sem grandes instrução, aproveitou o sucesso que a sua música lhe permitiu gozar,viajou pelo Mundo e fascinava pela sua cultura,pelo seu bom gosto e pela facilidade que tinha em apreender tudo o que ia vendo tudo o que ia vivendo...Aprendeu inglês,francês e espalhou com o seu charme o nome de Portugal pelo Mundo.
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Por a considerar uma pessoa intuitiva,culta e inteligente, não posso esquecer (como muitos fazem,principalmente nesta época) que Amália representou um símbolo de um regime ditatorial, que a apresentavam como bandeira. Ela e Eusébio. Mas Eusébio foi mais usado pelo regime do que propriamente beneficiado por ele...Chegaram a impedi-lo de ir ganhar o triplo do que ganhava em Portugal para o Internazionale de Itália, decretando-o património nacional.
Um ingénuo Eusébio que foi bastante explorado na época.
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Amália tinha outro grau cultural que Eusébio não tinha...Teve favores de um regime que a permitia viajar pelo Mundo todo para fazer propagando a um país que queria dar uma imagem bem diferente e favorável daquela que os portugueses viviam...
Sendo Amália a Voz do Povo,ela mais que ninguém deveria saber o que o povo sofria...Não tinha a desculpa de não saber o que se passava ou não ter base de comparação,pois viajou por todo o Mundo e falou com pessoas bastante cultas e inteligentes e ela podia ver a diferença entre o que se passava em França ou nos EUA e Portugal...
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Agora, os seus mais próximos tentam fazer crer que Amália nunca foi beneficiada pelo regime. Uma coisa é dizer que Amália não precisava do regime para ser quem foi.Isso concordo, Amália não precisava de ser protegida e promovida pelo regime, a sua qualidade falava por ela. Mas é também um facto que ela contribuiu de forma consciente ou não para a propaganda do regime,e ela nunca se tentou demarcar dele, com outros na época tentaram fazer.
Aliás, ela era grande amiga do poeta Ary dos Santos,comunista confesso e poeta que através da sua escrita mais tentou abalar os alicerces que sustinham aquela sociedade presa de pensamento e conhecia o outro lado, a outra versão daquele regime que tão bem a tratava.
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David Mourão Ferreira foi outro que escreveu para Amália e que era muito crítico do regime e fez com a sua arte de tudo para o combater.
Ouvi um argumento do fadista de João Braga que a prova de que Amália não era a favor do regime era de que tinha tido um fado censurado pela Pide...Bonito dizer isso sem que depois se explique a história toda...
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O fado em questão "Abandono" tratava-se de um fado escrito por David Mourão Ferreira, uma letra que Amália acreditou tratar-se de uma cançao de amor, e de saudade de alguém que se perdeu,mas que era uma letra que de forma astuta criticava o regime e a sua polícia política e como fazia desaparecer pessoas, "no meio da noite" que nunca mais voltavam e como alguém ficava sempre à sua espera a sofrer.
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Amália aí sim, na sua ingenuidade, não entendeu o cariz político deste fado e viu-o censurado sem perceber muito bem porquê porventura...
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Amália que quando Salazar esteve hospitalizado,foi visitá-lo e inclusivamente escreveu umas quadras para dedicar ao ditador.
Logo, não tenho muitas dúvidas que ela gostava do regime,ou pelo menos não era contra ele,pois foi na sua vigência que ela atingiu o estrelato mundial e era um símbolo de um país e de um estado com características muito próprias, e com o 25 de Abril por o ser,passou por um mau bocado,acabando por ir viver para NY e algo que a deixou mais perto do suicídio...a ideia de estar longe da sua amada Lisboa e do país que tanta amava e que tanto a tinha amado durante anos,e que de um momento para o outro ,lhe parecia recriminar e esquecê-la tão rápido como se haviam identificado e encantado com ela...
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Felizmente, o tempo e actos como o do Presidente da República Mário Soares,condecorando-a e beijando as suas mãos,fizeram com que Portugal não destinasse ao ostracismo a sua maior diva, e um dos nossos maiores símbolos culturais enquanto país.
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Devemos venerar Amália pelo seu fado,pela sua expressão cultural, e não prender-nos com questões políticas.Ela nunca quis ser perfeita, era apenas Amália.
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São 3 as grandes divas e têm sido constantes as votações e discussões relativamente a quem seria a grande voz feminina,a grande diva do século:Callas, Piaff ou Amália.
Cada um no seu registo,inesquecíveieis.
Eu inclinar-me-ia para Piaff e Amália,as suas histórias de vida,as suas raízes faziam com que a voz ganhasse outra dimensão,elas cantavam as ruas, as expressões, os anseios,desejos,receios, eram a voz que vinha de um povo. Ganhavam uma condição totalmente diferente assim que entravam em palco, e não necessitavam de ter a técnica perfeita, nem a trabalhar excessivamente...Eram naturalmente sublimes e a sua voz transportava muito mais que uma interpretação de uma letra. Eram sentimento em estado puro, a voz era alma e coração.
Amália também era poetiza, também escrevia...E no meio de tantos e tantos sucessos...Creio que nunca um fado a descreveu como este que hoje publico.Também é uma dos seus fados que mais me arrepiam. Letra escrita por si, e em que cada palavra, cada frase descreve a complexidade de sentimentos que era Amália e a forma como ela sempre se encarou a si mesma e à sua vida. Por isso, Amália e Fado são praticamente um só.
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Uma homenagem a uma diva:
Foi por vontade de Deus que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.
Que estranha forma de vida tem este meu coração
: vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.
Eu não te acompanho mais: para, deixa de bater.
Se não sabes aonde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
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1 comentário:
Amália, nunca foi a favor de Salazar, nem a favor nem contra. Amália teve uma educação, na qual aprendeu a respeitar todas as pessoas, fossem elas ricas ou pobres. Amália não vivia de forma pobre, vivia de forma miserável, e nessa condição, não teve dinheiro para estudar, mas mesmo assim ela é uma das pessoas mais cultas deste pais. Tudo o que conquistou foi por mérito próprio. Subiu a pulso e conquistou o mundo. Deu o que nunca ninguem deu a este pais, entregou-se e entregou a sua vida a portugal. Mas mesmo assim, há pessoas que não sabem dar-lhe o verdadeiro valor, e depois do 25 de Abril trataram-na muito mal. Por isso não admito que ninguém diga que Amália era a favor do regime. O pais nunca lhe agradeceu como merecia, e agora que ela já não se pode defender, não venha dizer calunias a seu respeito. Amália é o maior simulo que este pais algum dia teve.
Viva Amália.
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