Porque nem tudo o que é passível de ser "apagado" é passível de ser esquecido...Há memórias que queremos com todas as nossas forças não ter que as perder,mesmo quando a razão nos indica que sim…
Joel, um ser pacato, introspectivo, tímido, com a sua mente desorganizadamente organizada, necessitado de um vendaval, para depois do vendaval, poder reorganizar o seu império de afectos e poder abri-lo para o exterior...exteriorizar o que apenas um pequeno caderno tem oportunidade de codificar e preservar...
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Clementine ,uma força da natureza, tem tudo aquilo que ele não tem mas, ao mesmo tempo, parece que passou uma vida num turbilhão para que encontre aquele olhar terno, atemorizado, a precisar da sua atenção e perceber que aquele ser pacato, estranho, fechado que parece não ser capaz de mudar a ordem das coisas, é capaz de mudar a ordem do seu mundo, com o mais pequeno dos gestos...Com ele, ela sente que encontrou aquele bocado de ar que lhe faltava e a fazia sufocar nas suas próprias manias e dúvidas...
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Com ele não precisa de mudar de cor consoante o tempo, vontade ou disposição… com ele, ela pode ser todas as cores, todos os dias, pode ser a “little sweet clementine”....
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Um filme dirigido aos sentidos mais ternos, às memórias e a capacidade de nos recriarmos através delas...Como uma memória pode valer mais a pena que a dose de realidade que nos acorda no dia a dia...
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Uma história de uma relação de seres totalmente diferentes, com tudo para dar errado, que acabou...Se pudéssemos apagar simplesmente uma pessoa da nossa memória para apagar a dor da sua ausência e resolver todos os nossos problemas...Valeria a pena? Seria possível, apagar as suas memórias sem nos apagarmos por consequência...? Que seremos nós sem as nossas memórias, por mais que num dado momento nos custe recordá-las?
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Clementine quis apagar Joel, que por sua vez tentou apagar Clementine....Mas ao apagar as suas memórias, sentiu que elas habitam nos mais recondidos espaços do nosso ser,..são transversais à nossa existência...Boas ou más, valem a pena serem guardadas....
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Geralmente quando uma relação termina,a imagem que fica é sempre aquela última discussão...aqueles momentos de ruptura, de raiva, de palavras que saem da boca para fora e do coração que se retrai, do copo que já transborda e da ideia de não retorno...Como se só tivesse existido aquela pessoa desde sempre e mais nenhma outra, e tudo o que havia antes era ilusório ou pouco real...As pessoas esquecem-se que para chegarem àquele estado, foi necessário terem amado muito antes,t erem tido sentimentos muito profundos...Não seria curioso e mais verdadeiro, no momento em que nos precipitamos para colocar um fim a uma relação, num nós que construímos como uma pequena casa, forrada dos mais variados momentos irrepetíveis(por mais que os tentamos transpor noutras pessoas, noutras situações, são irrepetíveis porque era com alguém em específico que ganhavam aquele dado sentido e não outro…) das batalhas travadas juntos, dos sorrisos, daquela noite em que o tempo parou...das longas conversas sobre banalidades e sobre a mais séria das coisas, em que parecia não haver fim na curiosidade mutua de saber tudo o que havia para saber sobre essa pessoa nessa mesma noite...?Querer prolongar uma conversa porque parece-nos poesia a voz dessa pessoa...não queremos que tenha que parar...queremos que ela saiba tudo, desde aquilo que sentimos e nunca dissemos, daqueles momentos embaraçosos desde a nossa infância que escondemos de todos, dos sonhos que queremos um dia partilhar...Do que fomos, do que sentimos e do que isso nos faz ser o que somos hoje…Querer saber também, tudo o que essa pessoa foi, sentir que queríamos ter estado lá para a conhecer em todos os momentos da sua vida…Esquecermo-nos do tempo enquanto nos encontramos naquela pequena bolha mágica.... Enfeitiçados por aquele olhar, intrigados com os mais pequenos trejeitos que só nos fazem querer conhecer todas as suas faces.,fechar os olhos e ter a capacidade de saber como ela estaria a cada momento, a cada acontecimento novo...Estar no meio de muita gente, e comunicar com um olhar.... .
Se fosse esse momento o último recordado? Aqueles momentos em que sentimos o seu corpo colado ao nosso ao adormecer...em que lhe segredamos ao ouvido...em que a sua voz nos embala e se torna impossível discernir o que é real ou sonho...Se fosse possível ser o último momento, aquele momento em que o nosso coração explode aquando do 1º beijo...aquele momento enternecedor em que os olhos amam, em que o toque é terno, em que mãos se entrelaçam e eternizam...
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Se fosse aquele dado momento, em que olhávamos para aquela pessoa e pensávamos " eu sei que vou amar desesperadamente esta pessoa, acho que não quero ter que amar mais alguém...só quero sentir os seus beijos para sempre, acompanhar os seus passos, quero que ela seja o meu porto seguro, sinto-me capaz de me apaixonar por esta pessoa a todo o instante e segundo que ela respira...”Em que até aquilo que à partida pareciam defeitos ou falhas são, por nós ,não só toleráveis, como nem pensamos na hipótese de ela perder tudo aquilo que a torna autêntica...real...
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Se fosse possível ser assim? Inverter a lógica das memórias? Ser da 1ª para a última...?Será que teria que haver um fim? Ou poderiamos optar por um novo começo? Creio que essa seria sim a forma mais justa de saber se duas pessoas devem mesmo ficar juntas para sempre ou não...Joel reapaixonou-se por Clementine ao ver as suas memórias desvanecerem-se e escaparem-se...Para isso deu-lhe o que sempre tinha faltado...Aqueles espaços que ele mantinha trancados...faltava que ele partilhasse e abrisse aquela caixinha de sensações, de constrangimentos...Porque amar é também sermos frágeis, é não ter medo de expor essa fragilidade para alguém, sem que isso significa que sejamos fracos... A força que se exige é a força para nunca se parar de acreditar e lutar por algo que vai mais além da nossa compreensão, é ter a coragem e a força para não fugir dos sentimentos ,por mais mudanças que a vida nos vai dando...Ser forte é ter coragem de ficar… de não apagar,adaptar...de não perder, recuperar…
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A ideia de que, da mesma maneira que é possível apaixonarmo-nos uma série de vezes na nossa vida por várias pessoas, é possível fazê-lo pela mesma pessoa que foi capaz de abalar o nosso pequeno mundo com a sua presença, tornado-o mais agitado por vezes,quase como uma montanha russa inicialmente, provocando-nos o pânico até, em alguns momentos ,de tão habituados que estamos a que não invadam o nosso espaço de segurança e desliguem ,de forma tão natural, o nosso mecanismo de defesa para as pessoas... Podemo-nos apaixonar todos os dias pelas mesmas pessoas…Há sempre um novo pormenor, ou os mesmos pormenores ,que pelo facto de serem só nossos ,fazem com que todos os dias tenham outro brilho…Acho que a palavra rotina é por vezes rotulada com um sentido demasiado negativo…Há rotinas que são boas que sejam mantidas…A rotina que é partilhar algo com alguém, conhecer profundamente alguém e aceitar e amar alguém da exacta forma que ela é e termos rituais que são só nossos, por mais banais que possam parecer, o facto de serem só nossos e de mais ningém,torna-os num ritual que nos faz mais felizes todos os dias, exactamente, por não ter que mudar nem querermos que mude, mesmo quando já nem damos conta disso no dia a dia , por já estarmos tão acostumados a que isso seja “o normal “, quando é essa “normalidade” que nos faz transportar algo de mágico e especial no nosso peito todos os dias, e que nos aconchega secretamente todos os dias…
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A ideia de argumento deste filme é absolutamente brilhante. Creio porém, que tem algumas falhas em termos de sequência da historia. O facto de ter tido uma produtora que queria capitalizar o investimento e, não se tratando apenas de um projecto pessoal, obrigou a que cenas mais intimistas e marcantes para a história ficassem de fora para incluir alguns clichés desnecessários para agradar produtores…
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Do filme retira-se acima de tudo a reflexão… Os pequenos momentos como instantes irrepetíveis… Uma realização brillhante de Gondry, que consegue filmar as memórias de Joel e Clementine de uma forma suave e profunda simultaneamente…capaz de nos fazer identificar com esses pequenos instantes que todos nós já partilhamos com alguém,ou sonhamos partilhar com alguém. Uma imagem que nos deixa entre o real e o sonho e com a ideia de que as memórias que guardamos são recriações nossas daquilo que realmente vivemos…São já uma 2ª experiência que ao recordar se convertem na 3ª… Cada um, do mesmo conjunto de eventos guarda memórias com nuances diferentes….
Depois ele joga muito bem com a câmara e com a alteração de ritmo entre a suavidade e doçura de memorias com a velocidade que elas vão sendo apagadas, como que criando uma perseguição de uma fuga quase…A sensação da memórias se nos escapar por entre os dedos e nós fazermos toda a força para a esconder num local especial e não a deixar fugir…Conseguiu através das imagens emocionar…Isso é a prova de um grande realizador…Quem consegue transmitir uma ideia, um conjunto de sensações, sem que seja sequer preciso ler o argumento ou ouvir o diálogo entre as personagens…Para quem veja imagens do filme acompanhadas da muito bem escolhida banda sonora, fica automaticamente hipnotizado, e os sentidos ficam mais apurados, e a emoção é espontânea e nada leviana ou lamechas.
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A forma como nós podemos comunicar com as nossas memórias, como podemos imaginar uma série de coisas que não chegaram a acontecer, como lermos a mesma história todos os dias mas tentarmos alterar o final, tentarmos comunicar com cada memória, saber o que seria dito, o que seria feito, os diálogos que ficaram por fazer, as pontes que ficaram por manter...
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Gondry tem a necessára sensbilidade para como que conseguir captar esses pequenos instantes,atento aos pormenores que tornam a memoria mais rica...as expressões, os siêncios...Gondry capta isso tudo, e consegue transmitir imagens de rara beleza...Dwe gestos simples como simples troca de abraços,beijos, de expressões, de palavras e afectos partilhados...Consegue captar a beleza que os gestos mais banais e as rotinas de um casal podem ter...
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Cumpre salientar, duas interpetações notáveis de Jim Carrey e Kate Winslet, eles conseguiram estabelecer aquela química e dar às personagens a profundidade necessária, uma química instantânia, fazendo com que tudo seja credível. Preencheram muito bem as personagens com a idéia exacta do que cada uma representava para si mesma, mas também, na influência que cada uma tinha na vida da outra.
Kate Winslet é uma das minhas actrizes de eleição,está mesmo entre as minhas favoritas. Actriz versátil, carismática, que consege dar profundidade a todos os seus trabalhos e adaptável a todo o tipo de gêneros... O Oscar veio tarde...Esta Clementine é absolutamente apaixonante...É sempre apaixonante ver Kate Winslet em qualquer filme, só a sua interpretação já costuma valer o preço do bilhete.
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Jim Carrey que se destacou pela comédia física, mostrou em Eternal Sunshine of The Spotless Mind ser um actor completo, capaz de se adaptar muito bem ao drama, demonstra ter muita paixão e ser totalmente obcecado pelas personagens que interpreta. Para mim, no entanto, este Joel é talvez uma das melhores intepretações,senão a melhor, da sua carreira.
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Última palavra para a FANTÁSTICA banda sonora…Mestre Jon Brion no seu melhor, e uma versão sublime do Beck do tema “everybody gonna learn sometime”… Uma conjugação perfeita de som e imagem…De momentos, memórias,sensações, desassossego, perda, recriação, renascimento… um hino aos sentidos, e à importância que a memória tem na forma como cada pessoa se aproxima ou se afasta e como se compreende a si própria e aos demais na sua vida….
Aqui fica um pequeno video com a música de Beck:
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A súblime música de Jon Brion:
(Destaco a fotografia do filme, que é também exelente. Se pudesse teria um poster enorme só para mim com aquele fotografia exacta de de ambos instantes após um beijo (entre 1.56 e 1.59), com aquelas cores de fundo que nos remetem para um imaginário de memórias,sonho,instante irrepetível e mágico, quando sentimos o sabor de quimera nos lábios...)
Simplesmente...belo.
Sei que já estou a abusar,mas já que ousei falar de um filme que gosto tanto, terei que deixar também as minhas duas cenas que mais me comovem e me tocam em todo o filme:
5 comentários:
Já disseste tanto que nada consigo acrescentar...
Este filme está na lista de um dos meus breves posts, só ainda não falei dele porque ainda não aprendi a postar vídeos e, obviamente, adorava por a música de Beck ;)
Quando vi este filme pela primeira vez, já há vários anos, confesso que não lhe captei a verdadeira essência. Não acho que estivesse preparada para algo com esta dimensão... Lembro-me de o resumir a uma comédia romântica, como se de um "Doidos por Mary" se tratasse (lol! Nem tanto vá... :P)!
Mais tarde resolvi ver de novo, com as minhas miudas da altura da faculdade. E, talvez devido ao ambiente ou quiçá à maturidade, descobri um novo mundo: possivelmente dos filmes mais profundos que já vi, não obstante o cunho brincalhão e descontraído.
Acho-o perfeito e atribuo a todo um conjunto: perfeitas actuações, belíssima realização, música devidamente encaixada e, naturalmente, um guião assombroso.
Tudo o resto já disseste e, como já afirmei e reitero, é óbvio que haverá uma dissertação no nosso blog sobre este filme. Se não for feita por mim, acredito que a Joaninha se dedicará com fervor! ;)
É que este filme merece ser dissecado e estudado e fazer-nos reflectir sobre o que nos vai no âmago e... nas memórias, claro está! Mas para um comentário, não devo entrar por aí... senão nunca mais saía daqui e.. tou a trabalhar! :P
Beijitos *
Obrigado pelo comentário,mesmo quando estás a trabalhar...;)
Eu vi o filme há não muito tempo,como tal, acabei por estar desperto para muitas das emoções e reflexões que o filme aborda...mas também confesso, que é daquele tipo de filmes que apreendo cada vez mais a cada vez que o (re)vejo, e me detenho em pequenos pormenores...
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Fascina-me a capacidade do Gondry de emocionar com as imagens, e jogar bem com a forma como consegue trasmitir a idéia de memória através da cor, do movimento da câmara...Como ele consegue demonstrar a pura e harmonioza beleza que têm as pequenas memórias a dois, os sorrisos debaixo dos lençois, as piadas, o despertar, um olhar que se troca...A verdadeira beleza dos gestos captado como deve ser captado.
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Um filme de emoções,muito sensitivo, é preciso ter essa tal maturidade ou sensibilidade para o apreender...A única crítica é algumas falhas no argumento que faz com quew por vezes seja algo mais leve por motivos comerciais e não puramente criativos.
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Eu já disse à Joaninha como postar os vídeos,como tal, agora é só pôr mãos à obra.
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Confesso que me custa escrever sobre filmes como o Eternal Sunshine ou o Beofres Sunrise/Sunset e uma série de filmes que me marcaram e que acho demasiado bons para serem destruídos com a minha escrita absurda.
Fico sempre com a sensação que é quase criminoso ousar escrever sobre algo que gosto tanto e é tão bom.
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Beijinhos e obrigado pela visita;)
:)
Confere. A Joaninha, dedicar-se-á, por certo, "com fervor" a escrivinhar algo sobre este filme no nosso blog... Embora seja tarefa árdua. Falar de coisas muito nossas nunca é fácil...
Eis um filme que me marcou irreparavelmente, pelos mais diversos motivos que não importa agora estar a elencar. Apareceu pela mão (sempre cheia e mágica) da Caixinha... Apaixonei-me por ele, desde a primeira vez que o vi, e continuo a apaixonar-me, sucessivamente, continuadamente, sempre que o (re)vejo.
Momentos são, por definição, instantes irrepetíveis.
A memória - visual, olfactiva, auditiva, táctil, em suma, sensitiva - surge sempre, e curiosamente de forma paradoxal, como um ritual (im)perfeito de reparação.
Por isso, com tanta propriedade o Joel diz 'Please let me keep this memory, just this one...'
Indizível! ;)
Certamente escreverás algo bem mais digno de tamanha obra de arte...;)
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Gosto muito do conceito de momento enquanto instanre irrepetível...Acho que desta vez, o dicionário acerto em cheio:)
Essa frase do Joel é destrutiva emocionalmente mesmo...
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beijnhos
Certamente escreverás algo bem mais digno de tamanha obra de arte...;)
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Gosto muito do conceito de momento enquanto instanre irrepetível...Acho que desta vez, o dicionário acerto em cheio:)
Essa frase do Joel é destrutiva emocionalmente mesmo...
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beijnhos
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