Eu saí sem cerimónia ou fado, recolhi as nossas telas separadas, e dormi, num quadro sempre plano, um estranho em vestes sem cor.
E tentei, fazer-me um pouco de mágico, ouvi o sopro encanto e dourado, um mar do teu azul… Mas já não sou quem era, a voz é sincera, os gestos são arrastados. O raiar dos dias, deu lugar a noites inquietas e a viagens no tempo pela tela mágica dos sonhos vencidos.
Sou um poema queimado, o retiro de um um rei sem coroa e que por isso não pode voltar. Caminho sozinho mas não como quem observa o que de belo rodeia a estrada. Memórias perdidas, num largo encantado iluminado por uma luz ténue de uma cidade despida que nos acolhe, e dançamos sem música…o orvalho cai, e sinto o teu nariz frio, enquanto o teu sorriso isola-me de tudo. Ganhamos asas e visitamos a alma que ficou por ser preenchida…Vemos o céu iluminar-se…não há lei nem ajustes nem chão. O cérebro é inebriado por perfumes e conversas triviais, sorrisos acanhados e cabelos desalinhados.
Sabemos que a partir dali só podemos cair. A partir daquele exacto momento, tudo o que possa acontecer invariavelmente nos causará uma dor para a qual ninguém ensina a amparar.
E então? Vivemos do nunca ? Da incerteza? Não. Decidimos viver para ver, para sentir, para doer. Não queremos ter que sair, nunca ter que crescer, não enfrentar a desilusão da transformação. Dizemos não à conversão e à subversão. A sociedade pode esperar, somos o mundo para aprender.
Ficar nesse espaço mágico, passear nesse jardim encantado, viajar no tempo e espaço. Poder ser tudo sem deixar de ser de alguém, sem deixar de ser eu. Sentir-me uma rock star e tu uma poetiza apaixonante e apaixonada pelos cafés, pelos nadas que encontras no teu caminho. Rebelde e romântica mas sem o admitir a ninguém a não ser a uma folha de papel em branco.
Aqui podes viajar todos os dias. Acordar num quarto de hotel diferente, entrar numa igreja antiga, ver as torres e os castelos que fazem qualquer história e inventares personagens para as pessoas que encontras nas ruas. Imaginar como cada um viverá a sua vida. Que caminhos tomará, que decisões irão trilhar e como os fios de vida de cada um se irão conectar e as infinitas possibilidades que esses encontros poderão proporcionar.
As decisões são camisas por vestir…a tristeza é periférica, a perda é ilusória. As texturas, os sabores e a brisa é diferente todos os dias… Podemos ser quem quisermos ser e não temos que ter vergonha de sermos o que somos como somos. Sem explicações nem invenções.
Vivo num aquário…Sei que o sol está lá fora, mas não o sinto como real como outrora. Sinto-o mais longe que nunca. Sou refém…prisioneiro nesse suspiro que navega por mar revolto do inconsciente. O amor é uma máquina do tempo. As emoções são (re)produzidas em papel e ecrã gigante.
Fico sempre com a sensação que fiquei a meio de algo que podia ser espectacular. Que fiquei a um beijo de mudar a minha vida, que ficou um tempo para parar, um segredo para se fazer canção, que o meu melhor texto ficou por escrever…Que como os futebolistas em final de carreira, ainda tinha um último golo por marcar e fazer levantar o estádio. Uma jogada capaz de iluminar o céu. Que como os pugilistas, ainda me sobra um último golpe.
Então não me perguntes o que fiz ontem ou o que vou ser amanhã… Sou madrugada, sou tinta borratada, sou acorde solto, sou sombra do que fui e do que não chegou a ser. Vivo em parte incerta, apesar de estar todos os dias nos mesmos locais, visíveis e invisíveis.
Foi-se a vergonha e o orgulho. A vontade escondeu-se…. Ficou a saudade.